terça-feira, 11 de outubro de 2011

Verse essa canção: Uma outra "Via láctea" para Renato Russo


Hoje faz 15 anos que Renato Russo partiu para outra via láctea, deixando para sua legião de fãs e amigos a viuvez de uma poesia sublime e melancólica colhida no lirismo cotidiano de todos nós. Sua morte (ou melhor, sua eternidade permanente) foi um episódio triste que marcou minha juventude, como se, de repente, a luneta em meus olhos perdesse o foco de uma constelação importante para a continuação do universo de sonhos do mundo (chegou a gerar poemas e tributos meus a ele, já publicado no blog: http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/09/meu-tributo-legiao-urbana-recado-pra.html , http://diariosdesolidao.blogspot.com/2011/09/clipoema-anjo-caido.html ). 
Por essa data ser tão triste e tão especial, somada a uma febre que não passa em mim (gripe dos novos tempos sem Renato Russo), o Verse essa canção de hoje é uma releitura de “A via láctea”, do marcante e depressivo “A tempestade”, CD da Legião Urbana que atingiu meus jovens ouvidos (comprei logo que o CD foi lançado) com uma bela e fatal agulha de lirismo e tristeza. Pra essa recriação, imaginei o eu lírico de Renato Russo em seus últimos momentos, entre a vida e a morte, tentando a luz, mesmo diante da escuridão. 

Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Mas não me diga isso
Hoje a tristeza não é passageira
Hoje fiquei com febre a tarde inteira
E quando chegar a noite
Cada estrela parecerá uma lágrima

Eles elevam lanternas de esperanças nos lábios, tentam deter as trevas nos túneis profundos de meus olhos negros. Meus amigos tentam me aquecer com luzes passageiras, mas a febre já me ferve de sonhos eternos desde o início da tarde. A estrela decadente que cai de meus olhos molha um sorriso que não tive, como um último pedido... perdido... O crepúsculo cinza anuncia uma noite de agonia e uma manhã de lágrimas ao amanhecer.

Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza das coisas com humor
Mas não me diga isso
É só hoje e isso passa
Só me deixe aqui quieto
Isso passa
Amanhã é um outro dia não é


Não sorrio, pois a dor maltrata meus lábios, como uma piada sem graça, como se a leveza da agulha fina que alcança meu peito doente fosse uma faca febril que gargalha e me rasga inteiro. Peço a todos que saiam, a solidão e o silêncio me doem menos que o desespero suave de seus rostos serenos. Amanhã é um outro dia, o sol virá e talvez eu sorria em outro lugar...

Eu nem sei por que me sinto assim
Vem de repente, um anjo triste perto de mim
E essa febre que não passa
E meu sorriso sem graça
Não me dê atenção
Mas obrigado por pensar em mim


Eles insistem em cobrir meu corpo descoberto em chagas invisíveis. Não escuto as palavras bonitas que me dizem, pois um anjo lindo me seduz com o ultimato terrível de um paraíso sem amigos, sem amor, mas também sem dor. A febre incendeia meus sentidos, agonizo! Meus amigos ouvem minha guerra interior e, desarmados, tentam proteger minha fortaleza em ruínas. Mesmo frágil, finalmente sorrio (há cáries de dores surpreendentes escondidas nesse sorriso...) e agradeço a todos o carinho (há um aceno de adeus paralisado nesse gesto incontido...).

Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Eu me sinto tão sozinho
Quando tudo está perdido
Não quero mais ser quem eu sou
Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado por pensar em mim
Mas não me diga isso
Não me dê atenção

E obrigado por pensar em mim


Eles saem, mas seus olhos ficam, tentando vigiar o que já está invadido. A via láctea me promete outras estrelas sem dor, outros brilhos. A cama desconfortável e ardente vai ninando meu corpo pra outro sonho frio, outro eu, outro limbo... Num esforço final, ergo as mãos para os amigos que já saíram. A lembrança deles acaricia meu rosto pela última vez. O anjo lindo retorna ao meu corpo, violento como uma brisa pesada sobre a folha cansada. As luzes se apagam e, nesse momento, meus olhos iluminam um novo sorriso, infinito, porém derradeiro...         

Um comentário:

  1. Que bela releitura...! É a beleza extraída da dor, coisa que a poesia e a música são capazes de fazer. Não sabia q hj era aniversário de morte de Renato Russo (sou péssima com datas rs), estranhamente acordei com a música Tempo Perdido na cabeça e resolvi escutar uns cds do Legião durante o dia... Coincindência ou não, nossas poesias se dialogam de alguma forma...

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