segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Sambando na cara de quem confunde brasilidade com exaltação cega ao mito do carnaval

Minha relação com o carnaval sempre foi bipolar: ora caio na folia, fascinado com a poesia e beleza de uma das festas mais populares no Brasil; ora me recolho, aproveitando o momento para descansar e refletir. Neste ano, optei pela segunda opção - neste carnaval, sou folião recolhido às cinzas que ainda nem queimaram.
Assim também se dá a presença carnavalesca em minha escrita: ora meus eus líricos fazem farra; ora são sisudos e extremamente cruéis com a face alienante do carnaval. O que mais me dói é a visão unilateral de alguns críticos: alguns consideram que, se não há exaltação de elementos de carnaval em sua obra, a sua arte não apresenta brasilidade, o que considero uma grande bobagem, afinal, ser artista brasileiro não é apenas seguir fascinado a figura mítica do ser brasileiro – ser artista brasileiro também é quebrar a caricatura que o mundo faz de nossa nação. A arte é plural, logo exaltar ou negar (ou ora exaltar, ora negar) o carnaval é uma contradição necessária pra sobrevivência da pluralidade da arte – não é uma questão de lado A, B e C, o divertido é todos os lados juntos e furiosamente harmonizados no caos da mente do artista; não há limites na arte, nem concepção única de brasilidade, o artista é o eterno turista em seu próprio país: ora se surpreenderá fascinado com sua terra, ora surtará decepcionado com o choque entre o ambiente ideal e a imagem com a qual se depara.
Hoje no blog posto o meu poema “Brasilidade”, bastante inspirado em um poema do Mestre dos Mestres Carlos Drummond de Andrade e recentemente publicado em meu oitavo livro “Foda-se e Outras Palavras Poéticas” (2014), saiu um tanto raivoso na época em que escrevi (estava revoltado com aquele papo de que artista brasileiro que preste tem que apenas se render ao samba e sorrir), mas vale sempre o registro (desde que o autor considere válido – concluído – para ser publicado e divulgado) pra se manter a polêmica discussão sobre identidade e/ou falta de identidade em um artista. Sou artista brasileiro, mas, por favor, não confunda brasilidade com pagação de pau dos elementos estereotipados do mito nacional.
Bom Carnaval, seja qual for a sua relação com a festividade nacional, e Arte Sempre, amigo leitor!
                                                                  
Brasilidade

“Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.”
Carlos Drummond de Andrade, “Também já fui brasileiro”

Nunca fui brasileiro, moreno como vocês.
Minha palidez sempre mortificou seus carnavais multicoloridos.
(Sobra-me um pouco dos seus ritmos descabidos
recebidos pelos meus ouvidos através das suas repetições;
rendo-me às suas melodias de risos,
mas meu sorriso é amarelo; nunca fui alegre, alienado como vocês)
Nunca fui jogador, driblador como vocês.
Meus pés sempre adoeceram nos seus estádios imensos
de folias e hipocrisias; nunca passei a bola pra vitória imperialista.
Pra mim, seus jogos sempre foram comprados
e não comemoro títulos de devedor; a única coisa que torci até agora foi o nariz.
Nunca fui católico, idolatrador como vocês.
Meus pecados sempre caminharam livres de suas igrejas ufanistas.
(Se Deus é brasileiro, o Brasil é um dogma a ser negado;
ajoelho-me para a razão, tenho fé apenas no fim das promessas,
na queda das máscaras; nunca fui folião, iludido como vocês)
Sou uma neve descontente nos seus verões de monótonas estripulias;
sou um gelo ardente nas suas caipirinhas de exageradas folias,
como pizza congelada no Planalto (você desliga a tevê e sente azia)
como um irmão deficiente que vocês escondem debaixo da ponte para as visitas não verem.
Minha brasilidade resplandece sobre o que não entendem,
sobre a fragilidade resistente de ser diferente diferente no meio de seus diferentes iguais,
de ser um estorvo das suas monumentais sociedades mono mentais;
minha brasilidade rege sambas revoltados nos seus retornos
dos feriados prolongados, das festividades arrastadas
como colchas de retalhos que dançam numa batalha adormecida;
minha brasilidade acorda enquanto os seus instintos nativos repousam na torcida
de mais uma Copa, mais uma Olimpíada, mais um dia, um mês sem perceber
que nunca fui brasileiro como vocês, porém nunca deixei de ser.


Um comentário:

  1. Sempre brilhando, este grande poeta, se não nos bailes carnavalescos, encanta-no, aqui e agora, com seu poema desafiador em seu blog. Parabéns pelo seu "universo virtual poético" que está sempre nos desafiando a ir mais além de nós mesmos.

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